Um espetáculo montado no Recife está prestes a alcançar um marco significativo na história do teatro brasileiro. O monólogo “Soledad — A Terra é Fogo Sob Nossos Pés”, interpretado pela atriz e diretora pernambucana Hilda Torres e dirigido pela diretora paulista Malú Bazán, completa dez anos de trajetória, consolidando-se como uma obra intensa e representativa.
Para comemorar o sucesso da montagem com seu público original, dez anos depois de passar por cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu (Uruguai), Assunção (Paraguai), Havana (Cuba), Buenos Aires (Argentina), além de Madrid, Santander, Bilbao e outras na Espanha, o espetáculo retorna ao palco do Teatro Hermilo Borba Filho, nos dias 2 e 3 de setembro, às 19h30.
A peça conta a história da militante paraguaia, Soledad Barrett Videma, assassinada pela ditadura militar brasileira há cerca de 50 anos, na Região Metropolitana do Recife, em um dos episódios mais violentos do regime militar brasileiro – conhecido como “O Massacre da Chácara São Bento”. Soledad, que lutou contra diversas ditaduras na América Latina, foi entregue à morte pelo seu então “companheiro”, mesmo estando grávida dele. Conhecido como Daniel, mas que na verdade era o Cabo Anselmo – o infiltrado dos órgãos de repressão mais conhecido do país, estima-se que, sozinho, levou à morte quase metade de todos os mortos e desaparecidos políticos contabilizados pelo regime militar.
Sol, como era conhecida entre os mais próximos, teve sua trajetória desenhada em meio à luta sociopolítica de sua família. Seu avô, o renomado jornalista e escritor espanhol Rafael Barrett, natural de Torrelavega, foi uma grande inspiração ideológica para ela. Quando nasceu, seus pais e irmãos mais velhos já eram militantes e dedicavam suas vidas quase que integralmente à luta contra ditaduras em toda a América Latina.
Os exílios políticos fizeram parte da sua vida desde muito nova, com menos de um 1 de idade enfrentou seu primeiro, na Argentina. Aos 17 anos, em mais um exílio, dessa vez no Uruguai, Soledad foi sequestrada por um grupo neonazista e teve suas duas pernas marcadas com a suástica por uma navalha. Ela se negou a gritar palavras em saudação a Hitler e por isso sofreu essa brutal violência.
Contudo, vale ressaltar que a obra não pretende ser apenas mais um retrato memorialista comum. Com duração de 60 minutos, o solo transporta o espectador para uma época aparentemente conhecida, mas pouco compreendida, ao mesmo tempo em que levanta questões atuais, proporcionando um espaço de reflexão, provocação e possibilidades, especialmente nos dias de hoje. Trata-se de uma narrativa que estabelece um ousado diálogo entre passado e presente, levando-nos a perceber que as coisas não mudaram tanto assim.

Manter-se dez anos em atividade contínua é um feito notável para qualquer espetáculo teatral, especialmente no cenário cultural brasileiro, que enfrenta tantos desafios. Isso é fato. Além disso, é curioso notar como a história se mostra, mais uma vez, cíclica. Em 2015, enquanto a peça era montada e estreava trazendo o tema mencionado, diversas manifestações de rua aconteciam, nas quais pessoas pediam a volta da ditadura militar e gritavam “abaixo Paulo Freire”.
Dez anos depois, no mesmo dia em que a peça retorna ao palco de sua estreia, um ex-militar, ex-presidente do país e declarado defensor do golpe de 64, senta-se na cadeira de réu para ser julgado, entre outros crimes, por mais uma tentativa de golpe contra a nossa democracia. Assim, cerca de meio século após seu assassinato e uma década após a estreia do espetáculo que narra sua trajetória, a história de Soledad Barrett Viedma continua a contribuir para a liberdade e a democracia no Brasil.
Serviço
SOLEDAD – A terra é fogo sob nossos pés
Datas: 02 e 03 de setembro (terça e quarta-feira)
Horário: 19h30
Local: Teatro Hermilo Borba Filho – Recife/PE
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
Ingresso no Sympla
Dia 02/SET: https://www.sympla.com.br/evento/soledad-10-anos-a-terra-e-fogo-sob-nossos-pes-dia-02-set/3080923
Dia 03/SET: https://www.sympla.com.br/evento/soledad-10-anos-a-terra-e-fogo-sob-nossos-pes-dia-03-set/3081901
