Vivemos uma era de avanços impressionantes na medicina: exames cada vez mais sensíveis, inteligência artificial aplicada à detecção precoce e monitoramento contínuo da saúde. Mas, em meio a tanto progresso, surge um alerta importante: o overdiagnosis, ou diagnóstico excessivo. O termo se refere à identificação de doenças ou alterações que provavelmente nunca causariam sintomas ou riscos reais à vida. Ou seja, o indivíduo passa a carregar o rótulo de “doente” sem que isso represente uma ameaça concreta.
Para o médico e especialista em healthtech e inovação, Sormane Britto, esse fenômeno é um dos maiores desafios da saúde moderna: “A tecnologia nos dá ferramentas poderosas, mas, quando usada sem critério, transforma pessoas saudáveis em pacientes. Isso gera impactos emocionais, físicos e financeiros reais.”
As repercussões incluem tratamentos desnecessários, efeitos colaterais evitáveis, sofrimento psicológico e desperdício de recursos — tanto pessoais quanto do sistema de saúde. Além disso, o overdiagnosis costuma vir acompanhado do overtreatment, ou seja, o sobretratamento decorrente de achados irrelevantes.
Britto reforça que a tecnologia precisa ser aliada da precisão, não do exagero. “Inovar não é detectar mais, é detectar melhor. Dados inteligentes, interpretação crítica e um olhar clínico humanizado são essenciais para um cuidado equilibrado.”
Quando o desejo por “fazer exames” vira problema — e pesa no bolso dos brasileiros
A busca crescente por exames por parte dos pacientes — muitas vezes motivada por ansiedade, excesso de informação ou pela ideia equivocada de que “saúde é fazer check-up constantemente” — alimenta ainda mais o cenário de overdiagnosis. Segundo Sormane Britto, isso tem criado um ciclo perigoso.
“Exames sem indicação adequada aumentam a chance de encontramos alterações que nunca fariam mal algum. A pessoa procura segurança, mas acaba levando para casa uma preocupação desnecessária.”
Os números confirmam o comportamento. Dados recentes mostram que os planos de saúde realizaram mais de 1,18 bilhão de exames ambulatoriais em 2024. Em média, cada beneficiário passou por 22,9 exames no ano — um volume que levanta dúvidas sobre a real necessidade de tantos testes.
Um exemplo prático no cotidiano tem impacto direto sobre o bolso dos consumidores. A sobrecarga de procedimentos eleva os custos das operadoras e pressiona o reajuste das mensalidades dos planos de saúde, que repassam os gastos crescentes a todos os beneficiários. Para Britto, a solução está no equilíbrio. “O desafio não é fazer mais exames, mas fazer os exames certos. Quando o uso racional prevalece, ganham o paciente, o médico e o sistema de saúde.”
Sormane Britto é ortopedista com especialização em metabolismo e fisiologia do exercício e especialista em healthtech e inovação – @drsormanebritto.
